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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Miro: Folha queria usar religião contra Dilma

Reproduzo artigo de Rodrigo Vianna, publicado no blog Escrevinhador:

Estranhei quando vi a “reportagem” da “Folha” logo cedo nesse domingo: os jornalistas Valdo Cruz, Simone Iglesias e Breno Costa trouxeram - no pé de uma matéria na página A9 – a informação de que Dilma retirara o crucifixo do gabinete e a Bíblia da mesa de trabalho do Palácio do Planalto.

Uma pulga atrás da orelha: por que o jornal não deu foto, mostrando o gabinete “antes” (com crucifixo e Bíblia) e “depois” (sob a intervenção da malvada presidenta atéia)?

E, se o fato era tão importante (a ponto de os editores botarem em primeira página), por que os repórteres incluíram a informação no pé e não na abertura do texto?

Jabuti não sobe em árvore – é o que dizem. O assunto talvez não interessasse aos jornalistas que assinaram a matéria, mas certamente interessou aos donos do jornal. E certamente interessa à direita que trouxe a religião para o centro do debate político, sob os auspícios de Serra, na última campanha eleitoral. É uma forma de mandar o recado: nós avisamos, ela é a favor do aborto, não é religiosa, esses comunistas são perigosos!

Pois bem. Isso estava evidente. Mas o mais interessante veio no começo da tarde. A minstra-chefe da Secom, Helena Chagas, usou o twitter para desmentir a “Folha”. Entendam bem: a ministra não minimizou, não tentou explicar a decisão (que, aliás, seria legítima) de retirar curcifixo e Bíblia. Não! A ministra, simplesmente desmentiu o jornal!

E o curioso: desmentiu não com nota oficial, mas pelo twitter!!!

O que disse Helena Chagas:

- “Pessoal, só esclarecendo:a presidenta Dilma não tirou o crucifixo da parede de seu gabinete. A peça é do ex-presidente Lula e foi na mudança”;

- “Aliás, o crucifixo, que Lula ganhou de um amigo no início do governo, é de origem portuguesa. Mais: Dilma também não tirou a bíblia do gabinete”;

- “A bíblia está na sala contígua, em cima de uma mesa – onde, por sinal, a presidenta já a encontrou ao chegar ao Planalto. Por fim…”;

- “…um último detalhe: embora goste de trabalhar com laptop, a presidenta não mudou o computador da mesa de trabalho. Continua sendo um desktop.”


Ou seja: segundo a ministra, a “Folha” errou no factual!

A “Folha” pode detestar a Dilma, e pode até achar que deve insuflar a direita religiosa. Mas, pra isso, precisa se ater aos fatos!

De todo jeito, sejamos cuidadosos: vamos aguardar as explicações do jornal da família Frias…

Esse espisódio, do “crucifixogate”, tem tudo pra entrar na mesma lista do “bolinhagate”, do grampo sem áudio e da ficha falsa da Dilma! Com um detalhe extra: ao desmentir o jornal pelo twitter, Helena Chagas não deixa de mandar um recado pra turma da Barão de Limeira – vocês já não estão com essa bola toda.

Humilhante: o maior jornal (?!) do país desmentido pelo twitter!

FONTE: Blog do Miro

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Terra Magazine: Por uma sociologia da Era Lula

Fernando Borges/Especial/Terra
Lula recebe as chaves da cidade de São Bernardo do Campo
Lula recebe as chaves da cidade de São Bernardo do Campo

Edmilson Lopes Júnior
De Natal (RN)

No final da década de 1950, Wright Mills, um dos mais brilhantes cientistas sociais norte-americanos da segunda metade do século XX, chamava à atenção, em uma obra intitulada A imaginação sociológica, para o fato de que as pessoas tendem a reclamar dos seus problemas cotidianos buscando causas explicativas no seu entorno imediato. Para ele, a maioria das pessoas não consegue estabelecer relações causais entre os sofrimentos vivenciados individualmente e as estruturas sociais mais amplas, expressas em tendências econômicas, dinâmicas demográficas e relações de classes, dentre outras. Ao contrário do que pensava o grande sociólogo não são apenas as "pessoas comuns" que agem assim. Ultimamente tem sido essa também a reação de muitos dos que se pretendem analistas do mundo social no Brasil. Em especial quando o objeto de análise diz respeito, direta ou indiretamente, ao governo do agora ex-presidente Lula.

Na última semana, marcada pela despedida de um presidente com inéditos 87% de avaliação positiva por parte da população, assistimos ou lemos os nossos "bem pensantes", especialmente aqueles auto-identificados como "cientistas políticos", produzindo lugares-comuns e vendendo-os como análises científicas. Nestas, via de regra, a popularidade do ex-presidente resultaria de sua "capacidade de comunicação", dos ventos favoráveis da economia internacional e do Programa Bolsa-Família. Platitudes e lugares-comuns substituem, assim, a necessidade de perscrutar com mais rigor a realidade.

Poucos analistas se preocuparam em produzir alguma explicação para o espantoso fato de que a popularidade do ex-presidente tenha ocorrido concomitante a uma das mais agressivas reações dos principais órgãos da imprensa nativa a um Presidente da República. Para usar surrado bordão, nunca antes na história deste país um mandatário foi tão hostilizado, quando não ridicularizado, como o Lula durante os últimos oito anos.

Como o bolsa-família, o Prouni e as políticas de micro-créditos, dentre outros instrumentos de transferência de renda, não atingem, nem de longe, aquele contingente populacional que, a cada nova pesquisa, identificava o Governo Lula como "ótimo" e "bom", restou aos "bem-pensantes" apelar para o velho preconceito de classe: os "de baixo" não teriam muito apreço pela ética. Ou pelas instituições democráticas.

Houve quem chamasse a atenção para o "carisma" do ex-presidente. Mas este foi definido como uma característica pessoal. Mesmo gente que citava Max Weber, autor de célebre elaboração sobre a "dominação carismática", esquecia que, para o pensador alemão do início do século, carisma, na vida política, é um fenômeno relacional, não uma particularidade desse ou daquele indivíduo. Analisar os motivos e reações dos "seguidores" do líder supostamente "carismático" é sempre o exercício mais importante. Exatamente o que era apenas superficialmente tocado.

Os "bem-pensantes" esqueceram as pessoas. E estas, ao contrário do supõem os que se alimentam dos próprios preconceitos que secretam, são reflexivas. Fazem comparações e escolhas. Entre um lado que fazia discursos "em defesa da ética", mas ainda ontem praticara uma selvagem "privataria", e o lado que apresentava políticas sociais que tiraram 15 milhões da pobreza, incluíram milhares de jovens no ensino superior e provocaram um positivo curto-circuito em economias locais de recantos esquecidos desde sempre, as pessoas escolheram o segundo.

Novos atores entraram em cena. Tornaram-se visíveis. Mais do que isso, cidadãos. E, em conseqüência, também consumidores. Abarrotaram as ruas de comércio popular, mas também os shoppings e os aeroportos. Não poucos ficaram incomodados com essas novas companhias nos seus espaços. Afinal, "praias" durante tanto tempo exclusivas foram "invadidas".

O incômodo de alguns setores tradicionais ante a emergência desses novos cidadãos alimentou a narrativa preconceituosa dominante na imprensa. Os bem-pensantes contribuíam com suas "análises" a respeito do "populismo". Os menos sofisticados falavam em "bolsa-esmola"...

Passado o vendaval das fortes emoções provocadas pela presença de Lula no centro do palco, é tempo de se produzir uma rigorosa e crítica sociologia da "Era Lula". Quem desejar assumir essa tarefa deve se lembrar de um alerta, formulada há décadas por outro grande cientista social, este brasileiro, que apontava a necessidade de superarmos análises que apenas "arranham a superfície" dos fenômenos. Refiro-me a Florestan Fernandes, alguém que desdenhava, com ironia corrosiva, o mundo pintado pelos bem-pensantes.

Edmilson Lopes Júnior é professor de sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

FONTE: TERRA MAGAZINE