AS ILUSÕES PERIGOSAS DA REVISTA MISTER M
Veja blefa mais uma vez: não existe fita provando que Abramovai falou o que não disse. Não existe grampo legal nem perícia nem nada. Só cascata.
Veja publicou uma reportagem de 1.581 palavras das quais apenas 14 realmente interessariam se fossem verdadeiras: "Não agüento mais receber pedidos da Dilma e do Gilberto Carvalho para fazer dossiês". A suposta frase foi atribuída ao secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovai, ganhou destaque na capa da revista, que circulou no sábado, e reproduzida instantaneamente no programa de José Serra na TV.
Se fosse verdadeira, a frase revelaria um fato gravíssimo, de interesse público e com evidentes repercussões no processo eleitoral. Seria motivo para uma rigorosa investigação policial e uma ação do Ministério Público, com vistas a esclarecer que pedidos seriam esses, a quem aproveitavam, quais seriam os alvos, quem seriam os agentes e os mandantes da produção de dossiês.
Ocorre que nem a frase foi pronunciada nem Veja tem como sustentar a veracidade do que destacou na capa (gostosamente reproduzida por Estadão, Globo e Folha). A negativa de Abramovai está escondida no quinto dos nove longos parágrafos da matéria.
Trata-se de mais uma reportagem ao estilo Mister M, que tem caracterizado a produção recente da que já foi a mais importante revista brasileira. É o jornalismo ilusionista, que recorre a uma série de truques para distrair a atenção do leitor e fazê-lo acreditar nos poderes mágicos da reportagem mentirosa.
O primeiro truque, clássico, é socorrer-se do testemunho de sua fonte, o ex-secretário nacional de Justiça Romeu Tuma Junior. Veja sabe que Tuma Júnior não tem credibilidade para sustentar uma acusação desse teor. Ele foi afastado do governo numa investigação sobre seu envolvimento na concessão fraudulenta de vistos a estrangeiros. É um rancoroso.
O outro truque de Veja é misturar o suposto de diálogo entre Abramovai e Tuma Júnior com uma fitalhada de conversas pela metade envolvendo o próprio Tuma, o ministro da Justiça Luiz Paulo Barreto e sua chefe de gabinete Gláucia de Paula.
Veja recebeu mesmo algumas fitas. Malandramente, porém, a revista induz o incauto a acreditar que as 14 palavras atribuídas a Anbramovai fazem parte do mesmo lote de fragmentos de conversas gravadas.
Veja dá-se ao desplante de afirmar que as conversas teriam sido "gravadas legalmente", como tantas outras fitas que chegam às redações desviadas ilegalmente de inquéritos policiais e do Ministério Público. Nesse caso, a revista teria de informar de que inquérito ou ação penal elas teriam sido extraídas, mas não pode fazê-lo porque sabe que isso é falso.
Elas reproduzem fragmentos de conversas entre mais de duas pessoas. Não são grampos, são escutas ambientais, feitas por alguém presente no local da conversa – e Romeu Tuma Júnior é o mínimo múltiplo comum de todas essas conversas.
Se Veja tivesse a fita com a frase atribuída na capa a Abramovai – as 14 palavras que realmente interessam – este áudio já estaria circulando, no site da própria revista, na rede de blogs auxiliares da desinformação, na CBN, no Jornal Nacional e no programa de José Serra.
Antes que o desavisado preste atenção a esse detalhe, está na hora de chamar uma dançarina ao palco. Ricardo Bolina, o perito multiuso, entra em cena para atestar a veracidade das gravações obtidas com exclusividade por Veja. Seu lado é apresentado em fatias, é um biquíni que mostra muito mas esconde o essencial: ele não comprova coisíssima nenhuma.
Vamos exibi-lo quadro a quadro, como está no facsimile da revista:
1) O perito recebeu dois arquivos de áudio
2) O perito tem de verificar se as vozes de Luiz Paulo Barreto e Pedro Abramovai ocorrem nessas amostras e se houve algum tipo de montagem
3) O perito constata que não houve alteração ou trucagem nos arquivos
4) O perito constata que as vozes dos arquivos conferem com as de Abramovai e Barreto, numa comparação com entrevistas dos dois personagens veiculadas na televisão.
Percebeu o truque? Nem o perito diz nem veja mostra que o áudio examinado contém as 14 palavras que realmente interessam e que foram peremptoriamente negadas. Diz apenas que recebeu uma gravação com a voz de Abramovai dizendo sabe-se lá o quê.
Há muito tempo que Veja não faz jornalismo, faz prestidigitação, fiando-se em duas máximas: as mãos são mais rápidas que os olhos; se colar, colou.
É triste lembrar que esta já foi a mais importante e mais acreditada publicação da imprensa brasileira. Veja não passa hoje de uma revistinha mandraque, para iludir os incautos e os que pagam para assistir seu espetáculo mambembe.
Confira o laudo:
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