Ex-aluna de Monica Serra não recua
Desmentida por José Serra, Sheila reafirma que mulher dele fez aborto
POR CHRISTINA NASCIMENTO, no jornal carioca O Dia (por sugestão do leitor Ramiro Tavares)
Santa Catarina – A coreógrafa Sheila Canevacci Ribeiro, 38 anos, ex-aluna de Monica Serra no curso de Dança na Unicamp, em Campinas (SP), ficou impressionada com a repercussão que seu relato no Facebook atingiu e reagiu contra nota oficial da campanha de José Serra a desmentindo ao afirmar que a esposa dele “nunca fez um aborto”. Sheila conversou com O DIA sobre sua declaração na rede social.
“Reafirmo cada palavra. Só fiz um relato de uma pessoa que percebeu uma incongruência e fez uma reflexão”, disse Sheila, que publicou o testemunho na Internet depois de ver Serra se esquivando do assunto aborto no debate da Band (no dia 10 de outubro).
“Se uma pessoa foi vítima da ditadura, e por aquela circunstância teve que fazer aborto, se ela acha que aborto é crime, ela está se incriminando”.
Procurada ontem pela equipe de O DIA para comentar o testemunho de Sheila, a assessoria de Serra não retornou as ligações.
O DIA: Você imaginou que seu texto poderia virar um fenômeno na internet?
Sheila Canevacci: Eu coloquei numa rede social que qualquer um podia ler. Coloquei na minha página, no facebook, com a consciência de que é uma rede social pública. E a beleza da internet é que é uma coisa pública. Agora, não é uma carta. É o relato de uma pessoa que tem uma experiência com uma professora, uma experiência bonita, inclusive. A minha experiência com a Mônica Serra, enquanto professora, foi uma experiência muito bonita, porque acho que a beleza da universidade é que as pessoas podem falar das coisas, falar de tudo, falar deste empanado que estou comendo, do exílio, do aborto, de uma pessoa bonitinha, gatinha ou não, qualquer coisa.
Eu respeito fundamentalmente os professores. Eu acho que a profissão mais linda que possa existir no mundo é a profissão de professor. E, neste sentido, eu respeito muito a Mônica Serra. Ela foi uma professora ótima, normal, tranquila. E eu sempre gostei muito dela. Inclusive quando ela relatou essa experiência terrível para ela, era dentro desse contexto da ditadura militar.
Atenção, gente! Em nenhum momento estou nesta coisa de denúncia. Tem muita gente que fala: ‘você está revelando os podres da Mônica Serra’. Só que eu não acho que uma pessoa que seja vítima da ditadura, e que tenha tido que sofrer, tenha um podre. Pelo contrário, tem que ser acolhida. A Mônica Serra e, qualquer outra mulher que tenha passado pela experiência dolorosa do aborto, devem ser acolhidas pelo Estado. Depois, se uma pessoa é religiosa e acha que o aborto é crime perante Deus, isso é outro discurso, outro assunto.
O DIA: Então, o testemunho dela na sala de aula te marcou muito?
SC:Esse assunto da Mônica Serra não me marcou nada. Marcou zero. Marcou na época, durante um mês. Porque a professora fala uma coisa e você tem aula na próxima semana, fica um climão e depois você esquece. O que me marcou é que eu não estava acompanhando o segundo turno da eleição, não estava acompanhando baixaria, ataque de ninguém. Primeiro, porque assisto poquíssima televisão. Estou fazendo doutorado (Semiótica e Comunicação – PUC/SP) e estudo pra caramba.
Estou sempre lendo, estou sempre viajando. Então, não estava acompanhando polêmica de aborto, de nada. Eu não estava acompanhando segundo turno da eleição. E ai decidi assistir esse debate. Estou lá, de piajama, assistindo meu debate, feliz e contente, quando ouço a Dilma falar disso.
E a minha primeiríssima reação, e acho importantantíssimo falar, foi: “Ué! Como a Mônica Serra falaria isso?” Será que ela faria isso? Ela já fez um aborto”. Voltei lá na minha memória do passado e falei assim: ’seria impossível. Estranho. A Mônica Serra nunca falaria isso, porque ela já teve que fazer um aborto’. Para mim, seria inconcebível, não batia, não dava liga, porque pensei assim: “Se uma pessoa foi vítima da ditadura, e por aquela circunstância teve que fazer aborto, se ela acha que aborto é crime, ela está se incriminando’.
Então, ela acha que tem que ser presa. Não faz sentindo. Entendeu? Por isso escrevi “Respeitamos a dor de Mônica Serra”. Depois, fiquei mais empolgada com essa história de aborto e fui ler que a Benedita da Silva, no governdo de Fernando Henrique, era contra o aborto e a discriminalização do aborto e que, quando atacaram a Eva Blay, que era feminista, a Benedita da Silva, para proteger a Eva Blay, pegou o microfone e falou que fez um aborto.
Para mim, é assim: quando uma mulher que é militante contra a discriminalização do aborto, ela mesmo está fazendo um aborto, então, ela mesma está se incriminando. Isso também é falta de cidadania. Porque todo o discurso que fala assim: “existem milhares de mulheres pobres tomando veneno de rato, citotec, agulha de tricô….É verdade” É verdade essas mulheres estão morrendo e a Mônica Serra ou qualquer pessoa pública tem que ter uma responsabilidade ética em relação a isso. Porém, não são só as mulheres pobres que estão morrendo.
As mulheres que têm poder aquisitivo alto, decente, e as mulheres ricas que podem se permitir pagar uma clínica clandestina, elas também estão morrendo. Sabe por quê? Porque o corpo não é só o corpo físico, não é só o sangramento que te leva a morte.Você não poder se sentir uma cidadã completa ao ser acusada de crime, de deliquência, num momento díficil da sua vida. Isso também é morrer, morrer espirtitualmente, psicologicamente e morrer principalmente como cidadão. Porque no momento mais díficil da sua vida, quando você tem que ser acolhida pelo seu Estado, você é considerada criminosa.
O DIA: Você ficou chocada com a repercussão?
SC: Primeiro de tudo. Acho que não estou nem entendendo o que está acontecendo. Mas o que me choca mais como brasileira e canadense, é que eu me sinto dividida. Como candanense, acho normal o cidadão falar sobre as coisas e dialogar sobre as coisas. Também porque no Canadá o aborto é legalizado. Acho que o brasileiro deveria aprender com outros países os motivos, ao invés de ficar conversando é isso, aquilo, porque já conversaram tanto. Já dá para aprender com quem estudou.
Do lado do Brasil, o que me chocou mais é que o simples fato de eu me posicionar, perante um debate, me fez descobrir que o brasileiro não tem cidadania, em geral, porque é como se a gente vivesse ainda não ditadura militar, na repressão, porque o pessoal tem medo de falar, tem medo de revelar o nome. Então,assim, quem tem medo de falar, revelar o nome, tem medo de morrer, tem medo de desaparecer, tem medo de ser torturado. Acho que no imaginário do brasileiro a ditadura militar e a repressão ainda são muito fortes. Isso foi o que mais me chocou. O resto… que sou fake, que ganhei dinheiro, que sou de um partido ou de outro, acho mais ou menos normal, porque a informação está na Internet. E a Internet é tudo e o contrário de tudo. E ai cada um com seus recursozinhos vai fazendo o que dá para entender.
O DIA: E porque o rebuliço em torno da sua declaração?
SC: Chocou tanto aos brasileiros que as pessoas que são petistas ficavam me acusando, num primeiro momento, que eu era armação do PSDB. E as pessoas do PSDB ficaram falando que eu era da campanha suja de boatos do PT. Então, acho isso muito interessante porque as pessoas não botam fé, não acreditam, que uma simples cidadã possa se manifestar porque viu um debate.
Um debate que tinha duas coisas em jogo: as eleições e a questão do aborto, que veio dentro do próprio debate. Achei isso muito interessante, porque outras coisas as pessoas falavam para mim é que eu ganhei dinheiro para fazer isso. E ai, não sei nem se dá vontade de rir ou de chorar, mas eu comecei a brincar com meus amigos e falar que não ganhei, mas deveria ganhar. Sabe de quem? Do governo federal. Sabe por quê? Porque pela minha espontaneidade e com a maneira de fazer política cidadã no cotidiano, tranquilamente, fiz uma educação nacional do que é praticar a cidadania. Fiz um programa de educação da cidadania, rapidinho, em três dias.
“Isso chocou tanto os brasileiros que os petistas me acusam de ser uma armação do PSDB e as pessoas do PSDB ficam falando que eu sou da campanha suja de boatos do PT. Acho isso muito interessante porque as pessoas não botam fé, não acreditam que uma simples cidadã possa se manifestar porque viu um debate”, afirmou. “Também achei interessante porque me procuraram para falar que ganhei dinheiro. Não sei se dá vontade de rir ou de chorar, mas comecei a brincar com meus amigos e falar que não ganhei, mas deveria ganhar. Sabe de quem? Do governo federal. Sabe por quê? Pela minha espontaneidade e com a maneira de fazer política cidadã no cotidiano tranquilamente. Fiz uma educação nacional do que é praticar a cidadania”, completou Sheila, que é filha de socióloga, foi aluna da mulher de Serra em 1992 e é casada com o respeitado antropólogo Mássimo Canevacci.
O marido de Sheila, Massimo Canevacci, também falou com a reportagem sobre o caso
‘É muito fácil declarar alguns valores que o mundo acha corretos’
Professor da Universidade La Sapienza, em Roma, e docente convidado da Federal de Santa Catarina, o antropólogo Massimo Canevacci, pensador reconhecido internacionalmente, conversou com O DIA sobre as repercussões da revelação feita por sua mulher. Leia abaixo a íntegra da entrevista:
O DIA: Professor, porque o susto das pessoas, ao ponto de falarem sobre mudança de rumo eleitoral, com as declarações da sua esposa?
Massimo Canevacci: Em primeiro lugar, acho que o tipo de política tradicional, que você pode dizer até conservadora, tem uma diferença fundamental entre os valores declarados e os valores praticados. Essa dicotomia, que é baseada sob uma forma política, que crer e reproduz um sistema de hipocrisia, porque é muito fácil declarar alguns valores que mais ou menos todo mundo (ou uma parte do mundo e do Brasil) acha correto, depois fazer exatamente o contrário.
Essa maneira que é um clássico do estudo da Antropologia (a diferença entre valores declarados e valores praticados), acho que é o elemento que criou a revolta da Sheila. A gente estava escutando muito tranquilamente a programação televisiva, que era um pouco violenta, que não era muito interessante, ou era interessante porque tinha um pouco mais de agressividade, quando a Dilma fez pergunta a Serra que a mulher dele, a Mônica Serra, falou que ela era uma mulher que queria matar criancinha, a Sheila abriu o corpo inteiro: olho, orelha, boca. Sheila ficou em silêncio, não falou nada. No dia seguinte (segunda-feira), acordou, escreveu essas coisas no Facebook.
Eu, pessoalmente, me solidarizei totalmente com ela, porque acho que esse tipo de história dela (de uma mulher que foi aluna da Mônica Serra) e, num momento muito importante da universidade, seja para Sheila, mas também para Mônica, porque ela é uma ótima professora. Então, ela ficou muito triste e desmoralizada ouvindo que a sua professora falava uma coisa e, num momento fundamental para a política do Brasil, e também pela ética do Brasil, pelos valores que unificam este país, ela fez exatamente o contrário.
O DIA: Quando o relato veio à tona,na internet, a discussão não era se a Mônica Serra fez ou não o aborto, mas se a Sheila existia. Por que a preocupação das pessoas era exatamente essa?
MC: Ótima pergunta e que tem diferentes níveis de resposta. Vou fazer, primeiramente, um discurso mais sociológico. É que tem uma diferença fundamental de papel. O papel de Mônica Serra é um papel bem determinado, conhecido socialmente. O papel da Sheila é desconhecido socialmente. Então, esse tipo de verticalização cria uma posição de poder onde um lado é aceitado, certo, verdadeiro.
E outro é falso, inexiste, é um tipo de luta midiática. Então, essa é a primeira explicação sociológica, mas que não acho fundamental. O que está acontecendo agora, no Brasil, mas não somente no Brasil, mas no mundo inteiro, é que a comunicação digital, o networking, tem sempre mais um poder de criar um novo tipo de informação. A nova informação dessa networking, tipo Facebook, Twitter, blog e etc, é muito mais horizontal. Então, esse tipo de horizontalização da comunicação, isto é, a comunicação digital, está virando sempre mais determinante também para fazer política.
Eu acho que esse lado é um pouco atrasado do ponto de vista comunicacional, porque era muito fácil descobrir que a Sheila era verdadeira. Só que ao iniciar fazer esse tipo de questionamento, de problematização sobre a identidade, é um tipo de pessoa que não consegue entender que esse networking, que é a comunicação digital, pode ser sempre mais forte. Então, sendo mais forte, a maneira, vamos dizer um pouco conservadora, de responder é “ela não existe”. Não somente não existe Sheila. Não existe a Network, não existe um tipo de comunicação digital que pode ser muito mais horizontal. Eu que decidi, para mim a decisão foi na hora, eu escrevi (num blog que fazia críticas): eu declaro que Sheila existe e que ela é minha esposa. Para mim, é uma coisa muito louca, mas funcionou. Funcionou porque muitos livros meus são traduzidos no Brasil e algumas pessoas me conhecem, então, ela não é somente Sheila Ribeiro. Ela é Sheila Canevacci Ribeiro.
O DIA: Então, essa discussão se ela é fake ou não, é o reflexo de que vivemos numa sociedade hipócrita, que gosta de jogar a sujeira debaixo do tapete?
MC: Em parte, este tipo de sociedade que é hipócrita, é hipócrita e atrasada. Porque não entende que o Network tem uma maneira, uma ética de comunicação que é muito facilmente verificável. Então, essa mistura de hipocrisia, atraso e dificuldade de entender o novo, não olhar a cultura digital, causou esse problema da identidade dela (Sheila), que é uma maneira muito banal de ofender Sheila. De dizer: “Você não existe. Você precisa mostrar que você existe. Preciso da sua carteira de identidade. Da sua fotografia. Mas a fotografia pode ser falsa!”. Então, como se enfrenta essa situação? É uma coisa interessante da relação entre Ciências Sociais e a nova forma da política.
O DIA: Mas se a Sheila tivesse feito este mesmo relato e no lugar de Mônica Serra, tivesse falado que a Dilma fez um aborto, a imprensa ficaria tão preocupada com a confirmação da identidade dela?
MC: Você está brincando! Em alguns jornais, teria aparecido em primeira página, dizendo: “A Sheila, nossa cidadã, linda, maravilhosa, descobriu que a rainha é nua, que a verdade é que Dilma causou um aborto”. Ela seria, na hora, reconhecida, na hora, na hora. Porque cada posicioanamento da impensa é causado de desnívis. O desnível principal era: Sheila desconhecida, Serra está do nosso lado. É a relação clássic a: amigo x inimigo, que é um clássico das ciências politicas. Então, a primeira página, tenho convencimento extremo, que viria com a fotografia da Sheila, dizendo: “Ela é a heróina da nossa democracia”.
O DIA: Por que o brasileiro tem tanta dificuldade em ser autêntico quando o assunto é polêmico?
MC: Isso é um pouco complexo. Acho que a beleza do Brasil, porque para mim a beleza do Brasil é que o brasileiro tem uma identidade, uma cultura, uma subjetividade muito mais fluida, muito mais cruzada que outros países. Então, essa beleza do Brasil, que tem uma identidade mais flexível, mais multipla, mais fluída do que em outros países, cria no brasileiro um outro problema: é como se a beleza da liberdade que cria identidade, a identidade múltipla, fluida, pode apavorar um pouco. Pode desejar uma única identidade clara, certa, única, homogênea.
E tudo isso pode criar um tipo de insegurança pela qual, se questiona: “Será que a identidade da Sheila é verdadeira?” Mas também será que minha identidade é verdadeira? Quem sou eu? Porque eu não sou a identidade, como, sei lá, na Europa, vamos dizer assim. Mas isso não é verdade. Isso é uma fantasia, porque o Brasil é muito mais na frente da Europa na questão da identidade.
FONTE: Lido no Viomundo do Jornalista Luis Carlos Azenha
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