Existe São Paulo. E existe “São Paulo”. Há a cidade e o coletivo em que ela se transformou.

Pode ser coletivo majestático ou pejorativo. Depende do lado que você está e do que lhe vem à mente quando ouve “São Paulo”.

Sem aspas, São Paulo é trabalho, é locomotiva, é PIB. Com aspas, pode ser poluição, engarrafamento, caos urbano.

Nos dias que correm, “São Paulo” é enchente, é morte. A água penetra todas as suas residências. Nalgumas, chega pela TV. Noutras, faz boiar os móveis.

José Serra levou ao microblog, na madrugada desta quarta (27), meia dúzia de palavras sobre o flagelo. Escreveu como vítima, não como governador.

Contou: “Fui até a estrada de Itapevi, onde o temporal abriu uma cratera impressionante. Prevendo o risco, o DER havia feito uma interdição na via”.

Celebrou: “Só por isso não houve maior tragédia. O carro com dois funcionários do DER despencou, mas felizmente eles foram resgatados e passam bem”.

Esmiuçou: “Tentei ir a Bauru, mas não consegui. Com o temporal, o aeroporto de Congonhas estava feito sanfona: abria e fechava o tempo todo”.

Contabilizou: “Este é o mês de janeiro mais chuvoso em SP, desde 1995, quando o Centro de Gerenciamento de Emergências passou a fazer medições.”

Comparou: “Pra vocês terem uma idéia: o previsto para todo o mês de janeiro eram 239 mm. Na zona norte de SP, choveu 43 mm só nesta terça-feira!”

Espantou-se: “A Estação Meteorológica da USP registrou, 5ª feira passada, o maior volume acumulado de chuva em janeiro desde 1932, quando começou a medir”.

Quem teve a ventura de ler José Serra sentiu falta de um governador. Alguém que discorresse sobre planos e medidas.

Quem leu José Serra teve a impressão de que ele não é propriamente um governador. É apenas mais uma vítima. Ou, por outra, é a ausência de solução com doutorado.

Uma espécie de nada com PhD, a contemplar a cidade desde a janela do Palácio dos Bandeirantes.

José Serra talvez ainda não tenha se dado conta, mas o cargo de governador tirou dele o conforto de habitar o mundo acadêmico.

Para um "scholar", habituado a observar os paradoxos do caos social de longe, com distanciamento brechtiano, o diagnóstico é o Éden.

Mas o cidadão que se encontra cercado de água por todos os lados anseia pela resolução de seus problemas. Espera, quando menos, por um lenitivo.

Poder-se-ia objetar que o despreparo de “São Paulo” para lidar com as enchentes é produto do descaso de muitos governos.

A objeção não socorre, porém, o tucanato de José Serra, no poder em “São Paulo” há uma década e meia.

Assim, as divagações noturnas de José Serra não tem senão a utilidade de dar ao seu autor a sensação de que seus relatos são úteis.

De resto, enquanto estiver empilhando estatísticas e relatos molhados, José Serra pode eximir-se de tarefas menores. Apresentar providências, por exemplo.