Déficits podem alterar a política e o poder global dos Estados Unidos
por DAVID E. SANGER, no New York Times
Published: February 1, 2010
WASHINGTON — Em um orçamento federal repleto de estatísticas espantosas, dois números se destacam de forma particularmente chocante, por representarem possível mudança na política e no poder americanos.
O primeiro é o déficit projetado para os próximos anos, cerca de 11% de toda a produção econômica do país. Isso tem precedente: durante a guerra civil e as guerras mundiais os Estados Unidos tiveram déficits crescentes, mas em geral com a expectativa de que seriam derrubados uma vez a paz fosse restaurada e os gastos militares reduzidos.
Mas o segundo número, enterrado nas projeções do orçamento, é o que realmente chama a atenção: pelos cálculos otimistas do próprio presidente Obama, os déficits americanos não vão retornar ao que se considera níveis sustentáveis pelos próximos dez anos. Na verdade, em 2019 e 2020 -- anos nos quais o sr. Obama terá deixado a cena, mesmo que cumprir dois mandatos -- os orçamentos começarão a crescer de novo, para mais de 5% do PIB. O orçamento de Obama traça o retrato de uma nação que, como muitos donos de imóveis dos Estados Unidos, simplesmente não consegue manter o nariz acima da linha d'água.
Para o sr. Obama e seus sucessores, o efeito dessas projeções é claro. A não ser que crescimento miraculoso aconteça, ou que acordos políticos miraculosos criem mudanças inesperadas na próxima década, não há espaço para novas iniciativas domésticas do sr. Obama e de seus sucessores. Além disso fica a possibilidade de que os Estados Unidos poderiam começar a sofrer da mesma doença que afetou o Japão na última década. Com o crescimento da dívida maior que o da renda, a influência do país no mundo pode sofrer uma erosão.
E, como o assessor-chefe do sr. Obama, Lawrence H. Summers, costumava perguntar antes de entrar no governo um ano atrás, "como pode o maior devedor do mundo permanecer o maior poder do mundo?".
A liderança chinesa, que empresta muito do dinheiro que financia os gastos do governo americano, e que fez perguntas duras sobre o orçamento do sr. Obama quando alguns membros dela visitaram Washington no verão passado, diz que pensa que a resposta para a pergunta do sr. Summers é auto-evidente. Os europeus também dizem que essa é a grande preocupação da próxima década.
O sr. Obama em pessoa deu sinais de preocupação quando anunciou no início de dezembro que planejava mandar 30 mil soldados americanos para o Afeganistão, mas insistiu que os Estados Unidos não poderiam ficar por muito tempo lá.
"Nossa prosperidade cria a fundação para nosso poder", ele disse a cadetes da academia de West Point. "Paga nossos militares. Banca nossa diplomacia. Tira proveito do potencial de nosso povo e permite investimento em novas indústrias".
E então ele explicou que mesmo uma "guerra necessária", como chamou a do Afeganistão no verão passado, poderia durar muito.
"É por isso que nosso compromisso com o Afreganistão não pode indefinido", ele disse então, "porque a nação que mais me interessa construir é a nossa própria nação".
O orçamento do sr. Obama merece crédito por sua franqueza. Não tenta disfarçar com açúcar, pelo menos excessivamente, a magnitude potencial do problema. O presidente George W. Bush costumava repetir, até o fim de seu mandato, que deixaria o governo com um orçamento equilibrado. Nem chegou perto; na verdade, o deficit disparou em seus últimos anos de governo.
O sr. Obama publicou as previsões para os próximos dez anos, em parte, para argumentar que a paralisação política dos últimos anos, na qual a maioria dos republicanos não quer falar de aumento de impostos, enquanto os democratas não discutem o corte de programas sociais, é insustentável. A receita do sr. Obama é de primeiro piorar o problema, fazendo gastos para combater a taxa de desemprego, antes de agir para que o deficit seja derrubado.
O sr. Summers, em uma entrevista na tarde de segunda-feira, disse que "o orçamento reconhece os imperativos de criar empregos e incentivar o crescimento no curto prazo e toma medidas significativas para aumentar a confiança no médio prazo".
Ela estava se referindo ao congelamento de gastos domésticos não relacionados à segurança nacional, à tentativa de cortar custos de saúde e à decisão de deixar expirar os cortes de impostos do governo Bush para as corporações e as famílias que ganham mais de 250 mil dólares anuais.
Mas o sr. Summers disse que "através das comissões fiscal e de orçamento, o presidente deu espaço para que se faça novos ajustes, se necessários para evitar algum tipo de crise".
Transformar isso em ação política, no entanto, tem se mostrado cada vez mais difícil para Washington. Os republicanos ficaram calados durante os anos de dívida de Bush. Os democratas descreveram o déficit como mal necessário durante a crise econômica que definiu o primeiro ano de governo do sr. Obama. O interesse em uma solução de longo prazo é limitada. Ou, como disse Isabel V. Sawhill, da Brookings Institution, na MSNBC, "o problema aqui não é honestidade, mas vontade política".
Uma fonte dessa falta de vontade é que os alertas políticos são contrários aos sinais emitidos pelo mercado. O Tesouro tem emprestado dinheiro para financiar os déficits do governo a taxas surpreendentemente baixas, um indicador forte de que os mercados acreditam que serão pagos em dia e sem desconto.
A falta de vontade política também é facilitada pelo fato de que, como o professor James K. Galbraith, da Universidade do Texas, colocou, "previsões para 10 anos não tem credibilidade".
Ele está certo. No início do governo Clinton, as projeções do governo indicavam grandes deficits -- acima do nível "sustentável" de 3% do PIB -- até 2000. Mas quando chegou essa data, Clinton tinha um superavit modesto de cerca de 200 bilhões de dólares, um ponto lembrado pelo sr. Obama na segunda-feira quando ele disse ao país que aquele momento foi desperdiçado quando "o governo e o Congresso passados criaram um programa de drogas caro, aprovaram cortes de impostos maciços para os ricos e financiaram duas guerras sem pagar por elas".
Mas com este orçamento o sr. Obama agora é dono do deficit. Como o sr. Galbraith notou, é possível que as previsões sombrias para 2020 se provem igualmente falsas.
Simplesmente projetar que os custos de saúde vão aumentar sem teto é um exercício perigoso.
"Muito vai depender da gente promover reformas que reconstruam um sistema financeiro que funcione", o sr. Galbraith disse, para com isso promover o crescimento no setor privado -- o tipo de crescimento que salvou o sr. Clinton de suas próprias projeções.
Sua maior esperança, disse o sr. Galbraith, é a lei de Stein, nomeada em homenagem a Herbert Stein, presidente do Conselho de Assessores Econômicos dos governos Richard M. Nixon e Gerald R. Ford.
A lei de Stein tem várias versões diferentes. Mas todas em torno de um ponto em comum: se uma tendência não pode continuar, ela é interrompida.
Fonte: Viomundo
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