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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Milton Hatoum: Imunidade rima com impunidade

Antônio Cruz/Agência Brasil
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Distrito Federal, manifestantes protestam contra a permanência do 
governador José Roberto Arruda no poder
No Distrito Federal, manifestantes protestam contra a permanência do governador José Roberto Arruda no poder

Milton Hatoum
De São Paulo

Já não recordo o nome de um jovem promotor público que acusou, com provas cabais, uma das quadrilhas de políticos que assaltavam a nação. São tantas denúncias, tantas "tenebrosas transações", que os brasileiros acabam por esquecer o que aconteceu há cinco ou dez anos. Ou há duas semanas. Seria saudável para a nossa memória se um jornal ou outro meio de comunicação listasse - com atualização semanal ou diária - os casos de bandalheira ocorridos nas duas últimas décadas.

Mas nem tudo é esquecimento. Não esqueci a declaração bombástica, mas verdadeira do jovem promotor. Em resumo, ele afirmou que os corruptos eram assassinos em potencial. O dinheiro roubado matava crianças brasileiras, pois a verba desviada podia ser investida em políticas sociais.

Ninguém sabe o valor anual do desvio de dinheiro público. Certamente bilhões de reais, mas é impossível calcular com exatidão o volume do roubo. As projeções de crescimento econômico para 2010 e uma euforia exagerada ofuscam a imensa miséria do povo brasileiro.

Não é preciso mencionar as áreas mais pobres do Nordeste e as periferias de todas as capitais. A miséria está presente no coração do Planalto Central, na capital do País. "Cidades-satélites", mais do que uma palavra composta, é um eufemismo de inspiração futurista para nomear um aglomerado de favelas ao redor de Brasília.

O governador e alguns deputados do DF são exemplos abjetos de um tipo de político pós-ditadura. Mais de vinte anos de autoritarismo, censura e repressão usurpou qualquer promessa - ainda que tênue - de civilidade e cidadania, gerando esse tipo de político monstruoso, hiper-cínico, jeca e cafajeste. Além disso, a ditadura enfraqueceu o poder judiciário, um poder que solta barões e tubarões vorazes e prende piabas, desmoralizando a polícia federal, a promotoria pública e um setor do judiciário que tenta cumprir com rigor a lei.

O que mais impressiona é a impunidade de certos políticos de conduta moral duvidosa, uma impunidade protegida pela imunidade parlamentar, essa obra-prima de corporativismo e uma das excrescências da nossa democracia. Se os políticos estão imunes à lei, então eles podem tudo, inclusive praticar atos explicitamente delituosos, sem medo de sofrer qualquer punição. Daí a recorrência de casos escabrosos de corrupção, e não apenas em Brasília - a Capital dos escândalos escancarados -, mas em todo o País.

Uma parte não desprezível dos impostos pagos pelos contribuintes é dragada pela corrupção. Por isso, a grande maioria dos aposentados vive à míngua; o salário dos professores da rede pública e dos policias é baixíssimo, faltam creches em todas as cidades brasileiras, falta um sistema de transporte eficiente, falta investimento na infra-estrutura das cidades. Na verdade, falta o essencial para a maior parte da população, que desconhece a cidadania.

Recentemente um grupo de manifestantes cobriu com estrume o jardim da câmara legislativa do Distrito Federal. Esse ato de protesto mostra como o brasileiro comum, sem privilégios e favores, vê os legisladores da Capital. O protesto é válido, pois expõe as virtudes da esperança e da revolta num País em que reinam as virtudes do fracasso e da impotência diante de tanto desmando, cinismo e impunidade. Mas não bastam o estrume e seu fedor, metáforas da Casa que representa o povo. É preciso aplicar a lei aos meliantes fantasiados de homens e mulheres públicos.


Milton Hatoum é escritor, autor dos romances Órfãos do Eldorado, Dois Irmãos, Relato de um Certo Oriente e Cinzas do Norte

FONTE: Blog Terra Magazine

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