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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O estranho caso do dossiê

Do Observatório da Imprensa
   Por Jorge Fernando dos Santos em 21/9/2010

Foram publicadas várias matérias sobre o suposto dossiê que teria sido montado contra o candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra. Ele acusa a adversária Dilma Rousseff e os "aloprados" do PT pelo golpe baixo. Já a versão sustentada por petistas é a de que o jornalista Amauri Ribeiro Jr., ex-empregado do jornal Estado de Minas em Belo Horizonte, teria investigado os bastidores da privatização ocorrida durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, comprometendo Serra e seu estafe.

O secretário de Comunicação do PT, deputado André Vargas, do Paraná, declarou ao Estado de S. Paulo que a origem do dossiê "é uma briga interna do PSDB e eles estão tentando passar isso para nós". Já na quarta-feira, em entrevista ao Terra Magazine, Vargas afirmou que o ex-prefeito de BH, o petista Fernando Pimentel, cometeu um "erro político" ao se aproximar de Aécio, quando elegeram Márcio Lacerda (PSB) prefeito da capital mineira. A declaração incomodou Pimentel e sua turma. Afinal, o que uma coisa teria a ver com a outra?
Ainda segundo a versão do PT, a série de reportagens teria sido encomendada em apoio ao governador de Minas, Aécio Neves, como ação preventiva a um suposto dossiê que estaria sendo montado pelo tucanato paulista para inibi-lo em sua possível candidatura à Presidência da República – o que, naturalmente, não interessava a Serra e ao PSDB de São Paulo.

Livro-bomba ou best-seller?Na sequência dos fatos, mineiramente, Aécio declinou da candidatura à Presidência da República, candidatando-se então ao Senado. Com isso, o Estado de Minas teria desistido de publicar a reportagem. Amauri pediu demissão, resolvendo transformar em livro o conteúdo de suas investigações. No entanto, tão logo deixou o jornal, foi trabalhar na campanha de Dilma, contratado por uma empresa de comunicação de Brasília supostamente ligada ao PT mineiro.

Muito bem! Digamos que seja essa a realidade dos fatos que resultaram no malfadado dossiê que comprometeria Serra com relação às privatizações ocorridas durante os mandatos presidenciais de FHC. Afinal de contas, tudo é possível no lodaçal da política. Contudo, essa versão fartamente divulgada na internet provoca questionamentos e caberia às autoridades e à própria imprensa esclarecer a opinião pública.

Repórter várias vezes premiado, Amauri admite ter montado um pacote explosivo, mas afirma que só pretende publicar o livro Nos Porões da Privataria depois das eleições. Nesse caso, que serviços prestaria ao país? Seria o mesmo que publicar a crítica de um filme que já saiu de cartaz. A publicação antes do pleito repercutiria com tanta intensidade que transformaria seu suposto livro-bomba num dos maiores best-sellers dos últimos tempos.

Perguntas permanecem sem respostasA primeira pergunta a ser feita é por que um jornalista que tem em mãos um material que poderia detonar um candidato iria trabalhar justamente para seus adversários, e sem fazer uso desse mesmo material? Diz Amauri, segundo textos publicados na internet, que os originais foram surrupiados de seu computador enquanto esteve hospedado num hotel em Brasília, a serviço do PT. Um repórter experiente não cometeria a ingenuidade de carregar consigo originais tão importantes. Por outro lado, por que não denunciou o fato assim que percebeu a violação de seu computador?

Outra questão que vale ressaltar é que Amauri afirma não ter usado de nenhum expediente ilícito para fazer suas apurações. Nesse caso, quem poderia explicar o fato de dois filiados ao PT terem surrupiado dos arquivos da Receita Federal dados sigilosos justamente de pessoas ligadas ao candidato tucano, entre elas sua filha, seu genro e Eduardo Jorge, secretário-geral da Presidência da República nos tempos de FHC?

Dias atrás, a Receita Federal noticiou que vários sigilos fiscais foram quebrados, não apenas os da turma de Serra. Estaria entre as supostas vítimas gente rica e famosa, como a apresentadora de TV Ana Maria Braga. Se isso for verdade, as ocorrências são muito mais graves do que se pensava.

Ganhando tempo ou uma cortina de fumaça?Uma coisa é espionagem eleitoreira, outra – muito mais séria – seria a fragilidade do sistema adotado pela Receita Federal para armazenar informações sigilosas dos contribuintes brasileiros. Isso permitiria não apenas a violação de dados pessoais de qualquer cidadão, mas também contribuiria para os crimes de sequestro, chantagem e extorsão.

A não ser em casos de investigação policial judicialmente autorizada, com que intenção uma pessoa se daria ao trabalho e correria o risco de bisbilhotar dados fiscais alheios? Nesse caso, a Receita não se responsabiliza e ninguém lá dentro sequer é repreendido pelo governo devido à lamentável ocorrência?

Outras perguntas ainda não respondidas: entre os muitos contribuintes que tiveram o sigilo fiscal quebrado constam filiados ou candidatos do PT? Por que as autoridades federais vão levar 60 dias para concluir investigações de fatos tão preocupantes? Não seria este o melhor momento para ouvir os possíveis envolvidos, a começar pelo tal jornalista? O presidente Lula estaria tentando ganhar tempo para não prejudicar a candidata Dilma? E se a versão do PT sobre o fogo amigo pessedebista for correta, não estaria Serra criando uma cortina de fumaça para se beneficiar dos acontecimentos?

Sem compromissos nem esclarecimentosO esclarecimento dessa sucessão de fatos interessa aos brasileiros tanto quanto o resultado das eleições, principalmente se a quebra de sigilo fiscal tiver sido perpetrada a serviço desse ou daquele partido – ou ainda por quadrilhas do crime organizado. Finalmente, vale especular sobre o conteúdo dos dados da Receita e até que ponto eles podem ou não comprometer legalmente as vítimas.

Como escreveu o jornalista mineiro José Cleves da Silva no recente artigo intitulado "Aos Repetentes da Escola Base", "enfrentamos hoje no Brasil um sério problema na relação fato-notícia por falta de qualificação e despreparo de grande parte da mídia, que não evoluiu o suficiente para lidar com a velocidade da notícia. Seu grande problema é com relação ao fato controverso, que dá Ibope, mas é de difícil relacionamento".

Em tempos de cinismo explícito, o mais preocupante é ver jornais e/ou jornalistas engajados nessa ou naquela campanha eleitoral agindo feito mercenários, sem compromisso com a verdade. Caluniam, espionam, julgam e condenam seguindo interesses eleitoreiros ou por mero preconceito ideológico, desrespeitando a inteligência de leitores e eleitores, sem esclarecer a opinião pública.

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